sexta-feira, dezembro 16, 2005

Precisa-se de amor...


Precisa-se de amor… não em particular, mas em geral
Precisam-se de tintas coloridas para pintar o céu
Não para quem vive na escuridão, mas para quem as usa
Para enegrecer o céu dos outros. E precisa-se de amor…
Eu preciso de amor, tu também precisas. Mas, por favor, não mo
Dês de graça! Ensina-me antes a conquistá-lo. Ensina-me a merecê-lo.
Ensina-me a torná-lo, não um meio, mas um fim de todos os dias em
Todas as coisas. Não me ensines a guardar, ensina-me a construir…
Não quero um amor para toda a vida, mas uma vida de amor
Não quero um amor maior do que o mundo…
Quero um mundo de amor!
PS: “Comunidade Vida e Paz”… porque não experimentas?
Em tão pouco tempo já me ensinou tanto…

Para não dizerem que sou ingrata...



Há quem diga que sou dramática demais, há quem diga que sou nostalgica demais... que sou saudosista demais, talvez portuguesa demais... Há quem diga que dou náuseas por tudo isto...
Eu cá pessoalmente acho que sou assim porque sou UMA SORTUDA do caraças... afinal de contas: Vivo tudo intensamente e sei dar valor tanto ao passado como ao presente...
PS: Um grande ABRAÇO a quem me compreende e me faz sorrir...
Obrigada pelos bons momentos e Feliz Natal.

“De mão no próprio coração”


“Sorri ao vê-la com a mesma emoção que sempre se amplia em mim na sua presença. E ali, rodeada de palavras e gestos tão doces como o perfume das suas flores bem-educadas todos os buracos negros da minha alma se preenchem de sol. Somente ali encontro chave para a cor fazer sentido. O horizonte pode ser impossível de alcançar com uma mão, assim como o sonho, enquanto que o abismo está a um passo dado na incerteza. Profundo e misterioso pode ser o mar. Quando vivia com a avó, lembro de me colocar em bicos de pés para conseguir ver pela janela. Lembro igualmente de que o mundo parecia maior e toda essa grandeza me sabia a entusiasmo. O mar visto numa página de um livro mostrado pela avó revelava profundidade, mas uma profundidade que não me assustava de medo. O mistério nas suas mãos, nas suas palavras, no seu olhar era mistério, mas não um mistério assombroso, era um mistério que me enchia de emoção e vontade. O horizonte apontado pela avó mostrava-me a verdadeira alma da sua inatingível longitude e a sua janela era simultaneamente um forte e uma almofada que me protegia da minha impaciência. E onde está agora essa impaciência? Uma porção da sua inebriante vontade está no olhar reconfortante, nos gestos e palavras ternas de Dona Matilde. As flores, a janela, os livros não são mais do que cenário compondo a memória que guardo do seu carinho e atenção. Tudo em si me transporta à delicadeza de um gesto do passado ou constrói um no presente. Tudo em si afasta-me do escuro porque tudo em si é sol. O sol que vitamina as suas flores. O sol que sempre agradece a Deus mesmo na dor.
Aceitei, pois, o seu silêncio e levantei a face ao céu absorvendo o máximo de ar possível. Dona Matilde levou com a sua mão a minha ao meu peito e disse:
- Sente. Apenas sente.
Fechei os olhos e senti. Senti o vento murmurar-me ao ouvido segredos de verdade guardados em mim. O pulsar daquele momento em que viva se sente a folhagem morta ao olhar aparente. Os seus dedos sempre me pareceram tão fortes apesar de pequenos e finos. E ainda hoje intrigam a minha ignorância, assim como todo este aroma que nos envolve e que tanto me conforta a alma.
Quebrei o âmago do silêncio abrindo os meus olhos ansiosos por oferecer aos da avó um olhar de ternura agradecida e albergada de palavras por dizer. Mas, apercebendo-me de uma lágrima sua, do meu alcance por se esconder, sustive as palavras quentes por sair e busquei outras de dócil mudez. Não tinha a certeza se se tratava de uma lágrima de emoção ou de tristeza fugitiva. Era, apesar de tudo, mais doce acreditar na emoção do momento. A mesma que sentia. Então, e desta vez, peguei eu na sua mão e deixando a fala para os pássaros e para o vento, assentei-a no seu peito colocando simultaneamente a minha no meu e beijei-lhe a face com um sorriso. E disse a mim mesma, naquele instante: «Não há forma de expressão maior do que a das palavras de silêncio». Fechámos ambas os olhos e durante uns minutos, juntas, mantivemo-nos assim de mão no próprio coração.” (excerto de “E fez-se silêncio” by Cristi)

Luz que brilhas tão distante...


“Luz que brilhas tão distante, desejava que estivesses comigo…
Um dia descobri quem eras, e no entanto já vivia. É irónico porque só vivia porque também viveste. Foste um dia vida, antes da minha vida. Foste tu, alguém.
Era já tarde e tudo parecia tão incompreensível. A suavidade dos teus cabelos eu já a sentia, mesmo antes de me dizerem que tinhas cabelos suaves. Sentia nos meus. E esse vazio que amplia o branco e diminui a luz do meu olhar, o olhar que fixa e absorve, o olhar que divaga e nada vê, o olhar que beija o céu e o mar num dia de sombras, o olhar que se ilumina com a noite, no silêncio quando tudo morre por um instante, é de ti, eu sei. Vens dizer-me baixinho pelo vento, quando os meus cabelos rodopiam e tocam na minha pele como abraços. Eras tu, eu sei. Quando as estrelas brilham e as árvores baloiçam palavras na brisa de Verão. A luz é vida. A vida que preciso para continuar a ter vida em mim. E a brisa mais uma vez beija a face, e os meus cabelos perfumam todo o meu corpo e devolvo esse abraço. Ergo a cabeça à luz da escuridão e navego contra a maré. Posso não ter remos mas tenho fé. Fé em ti.”
(ao meu anjo da guarda)

O olhar...


“Assim como a lua não falta à noite, queria que o olhar fosse o abrigo da certeza.”

“Eu queria que o olhar fosse uma porta aberta onde a alma se pudesse expressar como uma ave liberta de um cativeiro. Eu queria que no olhar não existisse escravidão. Eu queria que a lua fosse o brilho de todo o olhar para que iluminasse a escuridão dos gestos e palavras discrepantes de confusão e insegurança… de medo, de fraqueza humana. Eu queria que todo o olhar fosse uma porta escancarada de verdade onde a alma despida recusasse as cobertas. Onde nele pudesse ter o abrigo da certeza… o agasalho de esperança contra o frio da mentira e negação. Eu queria… e eternamente quererei.”

Raiva



“Olhando os meus escritos na parede, apercebi-me de que é raro escrever sobre a raiva. Apenas se lia a seguinte, datada do ano passado: “ Tenho raiva de muitas coisas, mas a coisa que me dá mais raiva é somente a de ter raiva.” E pensei no porquê de não ter escrito mais. E logo me assombrou uma certeza. A de que vivo a raiva de diferente maneira da dos outros sentimentos. Esperneio deitada na cama, mordo os lençóis, grito até torcer a alma, bato nas paredes até esfolar a pele, corro até não puder mais, e só depois choro. Choro quando o meu corpo sente o cansaço e pára anestesiado. A dor física desiste de deter a dor espiritual e as lágrimas surgem para aparar o furacão do peito. E é somente quando sinto as lágrimas descer pela face que se activa o pensamento. É só, então, que toda a dor à minha volta se me aparece como possibilidade de poesia e o desabafo renasce para o conjunto de opções medicinais.” (excerto, "E fez-se silêncio")

Aquele dia


Na pureza da luz clara
O olhar de inocência de mar
Aquele dia
Dia de mais um dia entre mil
Em mil dias se respira um só
Aquele dia
Apenas aquele dia
Fez de mim tudo e nada
Negro e branco
A lua ficou nua porque a
Noite nasceu pura
999 Dias pálidos de contagem
Incerta…
Aquele dia, Aquele dia
Dia de azul, dia de rosa
Noite de pérola mágica
Dia de luar e estrelas
Aquele dia
Um dia entre tantos
Apenas aquele dia
Fez de mim tudo e nada
Sol e chuva
Vida e morte
Um dia entre mil
Onde a contagem mente
Um dia sincero e falso
Aquele dia
Um dia que queima e molha
Em ti encontrei esmeraldas
Em ti fecharam-se-mas as portas
Mas naquele dia
Naquele dia tudo se me abriu
Tudo se fez cor e magia
Para tudo se fechar
Um dia
Mil dias
De voz dissonante
Onde a contagem mente
Mil dias para um?
Aquele dia
Dia de tambores
Dia de sangue vivo
E plácida lágrima
Dia de clamor
Dia de raia
Apenas um?
Um de outros dias
Onde o céu não tem fim
Dias?
Breves horas conjugadas
Aquele dia

Um baloiço, aquele dia
Onde me encostei e adormeci
Pai dos filhos
Dia de todos os dias
A correr pelos campos
Uma criança, aquele dia
Eternamente...

Mil vezes a palavra silêncio...


Silêncio, silêncio, Silêncio
Mil vezes a palavra silêncio...

De um silêncio fiz a espera
De uma espera nasceu o silêncio
Corri caminhos espinhosos procurando um espinho
Silêncio
E fez-se silêncio

Desci pela vereda molhada
Ouvi os cães uivar silêncio
Não me alcancei
E fiz silêncio
Dormi a noite ao relento
Cobri-me de silêncio
Tive frio, tive medo
O silêncio já não me aquece.
E parei a caminhada

E fez-se silêncio
Procurei-o sozinha
Tive frio sem silêncio
Porque sem silêncio nevou
Na estrada.

Debaixo de uma árvore de sangue ali me deixaste…



Era tarde e o sol já adormecia
O azul do teu cristal encontrou-se com as minhas lágrimas e eu sorria…
As folhas do meu sangue sujavam os teus dedos, mas não te incomodavam.
Reviravas o corpo numa agonia, choravas compulsivamente.
O teu cristal encontrou-se com a minha prata velha e lá te embalei,
Ficámos juntos à árvore de sangue onde as folhas meras confidentes
Te cobriam deliciadas em teu perfume inocente.
Rosas negras cortavam sozinhas seus espinhos, os ventos lavavam o céu
E matavam-me o medo.
De asas abertas cobrindo as tuas quebradas era limpar as minhas da poeira.
E tu choravas e eu sorria…
Uma melodia pairava no ar, colorindo os tons negros em tua volta.
Lançava magia delicada e envolvia meus dedos em carinho ardente
Pela tua face empalidecida. O teu cristal não me envolvia, mas as rosas falavam-me
De amor e eu sonhava.
Lançava magia por todo o teu corpo e encontrava-me com a aurora do tempo.
Tu não paravas de chorar, mas eu sorria…
Fadas vinham ter comigo sorrateiramente e guardavam-me o punhal.
Piscavam-me o olho e criavam de troncos vestes iluminadas
As quais passavam pelo teu rosto. As tuas lágrimas não tinham fim.
Mas eu sorria mesmo assim…
Pelos meus cabelos tocava-te harpa e adormecias.
Roçava-te em palavras na eternidade de um beijo.
O embalo de um sonho abraçava-te como à vida.
E a luz negra reaparecia do bosque em chama.
O teu cristal levantava o sol mesmo cansado.
E eu sorria… e tu choravas…
Mas desta vez, choravas e gritavas.
Choravas como quem chama pela morte
Escorria sangue em tempestade e as folhas ficaram desnudas.
Olhei e não sorri, saltaste o muro e voaste.
Para onde foste?... Não mais voltaste…
Fiquei debruçada ao teu sangue em lágrimas
A inocência turvou o meu horizonte
O teu cristal engoliu a minha prata …
E ontem sonhei contigo ali, debaixo daquele sangue em árvore
Tu Sorrias e eu Chorava…

Medo


Tenho medo...
Medo que o sonho se transforme em rochedo
Medo que ao voar as asas se quebrem
Tenho medo....
Medo que deste deserto as areias se contem
Medo que o infinito seja breve.
Tenho medo...
Medo que negra se transforme a neve
E branca a bela noite.
Medo que as estrelas se apaguem
Levando consigo a fantasia.
Tenho medo...
Medo que o paraíso seja utopia
E o inferno a solidão.
Medo de voar e perder a direcção.
Tenho medo...
Medo que a altura onde me sento
Se desmorone
Medo que o medo me assombre.
Tenho medo...
Medo que a morte fatal nasça
E que o amor se desfaça.
Medo do desamparo,
Medo que o céu seja demasiado caro.
E tenho medo...
Medo que deste meu Inverno
A primavera seja o sonho
E o meu medo seja eterno...

Ausência


Desta proa onde me sento
alta e forte como a crença
estico a mão, sopro o vento
e nem sinal da tua presença…

No enlace das tuas mãos, da porta
grisalha do teu corpo, da clemência,
do olhar cego, da face fria e morta
de repouso, do vazio, da ausência...
Deste céu em que o mar reflecte
as ondas calmas trespassam agitação
Será de ti que a proa estremece
ou será de mim por esperar em vão?
E no limiar da voz...
Caiem-te palavras frias da boca,
arremessando o brilho da noite veloz.
Do pálido silêncio da tua alma oca,
que foi feito de ti... que foi feito de nós!

E por um instante entrámos em silêncio...



“E por um instante entrámos em silêncio. Os meus olhos iniciaram uma breve viagem a tudo o que despertasse os meus sentidos. Da plataforma azul ao estrado verdejante, do violáceo manto agregado a um lado cobrindo os pés de uma árvore, das nuvens de espuma branca contornando o espelho dos patos, da púrpura, do azul, do amarelo, formavam uma deflagração de cor e de vida. O cheiro a algodão doce e a limpidez, o cheiro a terra molhada, o odor a natureza fresca e perfumada, o aroma suave de uma fruta verde e idealizada, podavam-me o espírito da lôbrega quietude. E ali, pegando nas mãos da avó, todo o meu corpo parecia ter sentido e toda a minha alma acreditava-se possante.
Subitamente, uma enorme aragem de vento passou por nós e eu fechei os olhos como se a pudesse absorver inteira e guardá-la nos pulmões, de modo a purificar todo o meu ser naquele instante sagrado e ter de reserva para necessidades.
Soltei-me do conforto dos braços e mãos da avó e fui a correr para a beira do lago, com uma vontade imensa de ser também eu água, terra, planta, céu e vento. Como se fosse possível libertar-me do corpo inepto que me prende à impiedade e às inexoráveis palavras consolidadas de insegurança e sacrilégio. Como se fosse possível sorrir com os raios de sol e voar com o vento. Como se o perfume das flores, ali, naquele mar de cor, me alagasse de expectativa e vontade de viver, nem que fosse só por um lapso de instante em que a mente se desengana das sombras perseguidoras que me chamam para a submersão latejante. Sombras palpitantes de incerteza, sombras pulsantes de potestade, sombras, por vezes, amigas de compunção, sombras insepultas, sombras tenazes. Mas, naquela circunstância, as sombras não estavam presentes por momentos e o lenitivo que respirava fazia-me sentir tudo e nada. Fez daquele jardim, por uma leve brisa, o lenimento da minha alma.”
(excerto de "E fez-se Silêncio" by me)

E se vos falasse sobre tédio?


Se vos contasse do tédio
Morreriam todas as palavras que descrevem o sonho
Seriam todas queimadas ao pôr-do-sol
Quando a brisa anuncia a noite quente e …
Oh é tão fria.

Se vos contasse do tédio
A flor da primavera não renasceria
O mar continuaria a ondular ao som das gaivotas
Tudo permaneceria
O mar, as gaivotas e eu – numa moradia.

Se vos falasse de tédio
Todas as palavras se queimariam
Porque escaparia da brisa da noite
Um sopro quente que me aqueceria
Mas por uma breve chama:
O frio da certeza.

Se vos falasse de tédio
Todas as belas palavras nasceriam fogo
Para morrer cinza
Porque o tédio consome o som da palavra
Porque o tédio não tem música
E a música é o sonho e a poesia.

Se vos falasse de tédio
Não haveria surpresa aos meus sentidos
A que se encandeia pelo som do vento a passar por uma árvore
O som do meu silêncio
E porque as minhas palavras são silêncio
A minha alma.

Se vos falasse de tédio
Para quê continuar?
Se deixaria de fazer sentido
Todas as minhas idas à terra do nunca
Se o meu silêncio murmurador perderia a voz
Calar-se-ia o mar
Primeiro aos meus ouvidos
E depois ao teu olhar.


(Viva a Inocência, Viva os Contos de Fadas, vida o amor desmedido, viva as lamechices, viva a tragédia)

Vi-te ao meu alcance



Vi-te ao meu alcance
Vi-te ali deitado no parapeito da janela
Vi-te debruçado
Vi-te perto do mundo
Ali, junto ao horizonte
Ali, perfurando o espelho do vidro
Vi-te balançando as folhas da árvore
Ali, onde os ramos acariciam o meu quarto
Ali, onde o mar atravessa a distância
Vi-te ao som desta música linda
Ali, onde os meus olhos bebem
Ali, onde o céu não termina
Vi-te a adormecer
Vi-me a embalar-te
Vi-te ali, no ali que atravessa a realidade
Vi-te ali...
No ali que fica mais longe do que o além
E vi-te...
Dormiste em mim
E choveu nessa tarde.
Beijando a minha face.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

"Eu que que detestava o teu nome..."



“Levantou Débora do sofá e arrastou-a consigo para o seu quarto. Foram coscuvilhar sobre algo muito interessante a contar pela motivação que demonstravam. Eu pouco liguei. Na minha mente apenas habitava uma questão: Porquê agora este calor no peito quando tudo à minha volta me gela? Não faz sentido. Talvez seja aqui que reside a resposta para a sensação de confusão. “Não fazer sentido.” E não faz qualquer sentido. Quer dizer, eu não posso afirmar propriamente que vivo rodeada de sentido por todos os lados. De facto, ando constantemente à sua procura apesar de sempre esperar que nada faça qualquer sentido. Mas, desta vez, o sentido apanhou-me desprevenida. É um não fazer sentido que faz todo o sentido. Ò céus que confusão! Eu deveria estar de rastos. O gelo de meu pai tinha sido o bastante para me congelar o corpo por um mês. Quiçá para um ano. Quiçá para sempre. Mas e depois apareceu Rodrigo. Ò Rodrigo, que fizeste tu comigo? Eu que detestava o teu nome, Rodrigo. Rodrigo, Rodrigo, Rodrigo. Porque não paro de dizer Rodrigo?” (in "Fez-se Silêncio" by Me)

"Corais de Sol"


Que mulheres são aquelas
que se rolam como sereias,
correm livres pelas areias
e brilham como estrelas...
Que mulheres são aquelas
que enfeitiçam...
são cobertas de raios de sol de ouro
e finas do macio das algas de um tesouro.
Tão livres e alegres cantam

Será fruto da verdade justa
esta liberdade que tanto me frustra?
Não sou feita de corais,
será que por tal não a mereço?
Elas cantam, dançam, voam
e tudo mais...
enquanto eu choro
e triste adormeço.

(momentos de baixa-estima, quem não os tem)

"Pediram-me"



Um dia pediram-me delicadamente
Pediram-me muito educadamente
Pediram-me para me calar.
Um dia pediram-me para ser flor dum mesmo jardim
Pediram-me afavelmente para sorrir quando o fogo se alastra
Pediram-me para ser brilhante como o sol de Verão.
Pediram-me com bons modos para perder a minha voz
Um dia quiseram-me ver rosada a bailar pelos campos coloridos,
Quiseram-me ver de saia rodada florescente a colher flores viçosas
Pediram-me para fazer uma grinalda e enfeitar os meus cabelos
E pediram-me docemente. Pediram-me para ser mais doce que o docemente.
Um dia disseram-me que era jovem e não acreditei.
Disseram-me que havia nascido para cantar aos quatro ventos
Pediram-me para soltar uma voz e cantar.
Pediram-me para cantar a música dos pássaros.
E um dia respondi que não sabia o canto da primavera
A minha voz nasceu do infinito eco de um grito desesperado
Os meus pés envoltos em ferida falam-me de eternas fugas pelo bosque
A minha face pálida desfeita das lágrimas murmura-me chuva de Inverno
A única música que conheço. A única que sei cantar. E não consigo bailar.
A minha veste é o manto da noite. As estrelas os adornos. A lua o meu santuário.
Um dia pediram-me para ser. E quem sou afinal?
Ninguém me pediu para me conhecer!
E evidenciei: eu sou tudo aquilo que não faz parte de mim.
E pediram-me para me calar
Disseram-me que a voz somos nós que a escolhemos.
Eu respondi: “sou a voz que me deram”.

Morrer, o que é morrer?


Morrer, o que é morrer? Terra, Céu, Mar e mais Terra, Céu e Mar e Sonho: tudo o que é tudo e não se tem numa mão. Dor vazia, respirar ar, absorver ar, viver de ar e não puder tocá-lo. Flor que se abre e não cheira. Folha seca nauseabunda, vagueando pelo vento, arrastada por todas as beiras mais imundas. Morrer, o que é morrer? Papel que não suporta a tinta da caneta, lápis de madeira podre, livro desfolhado, lido e relido, escondido no final da estante. Perfume amargo e repelente. Primavera, onde o céu brilha a ouro quente fervendo o sangue novo? Morrer não é primavera. Viver nem é primavera. É água podre. É o fim onde a veste não se renova. É o fim onde o começo não chega a ser começo. É o sonho da eternidade. O beijo que recebeste e não devolveste. O cheiro que ficou em mim e não sai. Morrer, o que é morrer? É antes dor, vazio, lágrimas. Onde estão os anjos que nos vêm buscar pela mão ao morrer? Onde está o pó mágico que faz voar os corajosos. Morrer é dor a cada instante. A dor de existir e não existir para ninguém. Onde está a magia? Viver, não é magia. Viver não faz voar, senão para quem tem perfume doce, flor que abre e cheira a primavera, livro que se renova a cada instante, água límpida. Viver não é para um mundo, é para uma terra, distante, bem distante. Morrer, o que é morrer? É paz que não se alcança. É o instante que se afunda no mar, quando o silêncio já não o acode, é a maré que não socorre, é o vento, é a sombra da noite, o arrepio, o medo. São as notas de piano que estalam os vidros a cada lágrima de abismo, a cada corte, a cada grito. E tudo dança, tudo veste, tudo canta, porque tudo morreu, tudo morre sempre e a cada instante. É morrer onde os demais não choram a nossa morte e as flores roubadas colorem as campas vizinhas. É o eco das palavras distantes que não puderam ser pronunciadas porque o vento as mandou de volta, no silêncio, no vazio. Viver, o que é viver? É querer ser Terra, Céu, Mar e Sonho: querer ser tudo e tudo querer. É querer morrer quando a vida não trás mais viver. É ser borboleta, é ser borboleta. E morrer, o que é morrer? Morrer é viver, quando se morre não da vida, mas na vida. Viver não é o contrário de morrer. Morrer é viver. É viver onde a morte é a Terra, o Céu e o Mar. E o Sonho: a Vida… desfalece a cada passo.

"Palavras de silêncio"


De uma boca fria e cerrada
Surgem palavras ditas no silêncio
Ocultas de agonia sufocada,
De um escuro mar intenso.
Escondidas pelas entranhas do medo
Temem um dia ser descobertas
Revelando um afeiçoado segredo,
Segredado a profundezas incertas.
Algumas ditas a uma velha sepultura
Outras faladas a almas padecidas
Sufocos calados de uma vida dura
Fogo abafado por chamas suicidas.
Palavras... doces e amargas palavras...
... Anseiam o teu nome pronunciar
Mas não podem voar, não têm liberdade
Por ti respiram, a ti querem, sem poder falar
Serão sempre palavras silenciosas de verdade...

Sem saída...


Sem saída...

Estou mais uma vez
a ouvir os mesmos passos...
A solver o mesmo vento,
A percorrer a mesma sombra,
E deleita nos mesmos braços...
Mas porque retornas ao ponto de partida,
Porque embarcas num só barco,
Porque procuras um só porto,
Ao teu olhar nada é vida tudo é morto...
E o sol continua a aquecer lá fora os outros.
Com ele só... entre a luz da lua e o negro do céu
Choras a convulsão da revolta.
Queres alcançar as estrelas mas elas
São belas demais para as possuir em tuas mãos.
O queixume transborda de exaltação
E mais uma vez se ouve o bulir do coração...
Perdes a esperança, de nada te serve acreditar,
De nada te resolve o inventar...
E perdes o brilho artificial, porque...
O sonho encanta mas não é real!
Então abraças-me...
Só tu e eu... juntas... perdidas...
Para sempre uma, para sempre unidas,
Nada de novo, nada de vida
Deste espelho imundo
Sem retorno, Sem Saída...

segunda-feira, dezembro 12, 2005

"O aconchego"



Respirei pela noite de ontem uma luz
Uma estrela sorridente e perfumada pairando sobre mim
Fonte onde a escuridão somente adorna em redor
Acalmia fulgente onde bebi expectativa
E a clareza do que existe se consumiu em amor.
Beleza foi a que entrevi
Seda acariciante em pluma semblante
Retrato construído a folhas secas
Onde a reminiscência do ser amante
Se enterra por suas mãos e ressurge para a vida.
Suavidade foi a que os meus dedos tocaram
Atravessaram o negro manto em cor púrpura
Desmoralizando o palácio da noite
O nicho onde os abutres se deitam consolados.
Ontem foi o ontem em que vi essa luz brilhante
Uma luz de fogueira em comoção desfocada
Perdi-me nessa doce agitação
Mergulhada em quimeras de corpóreo sumptuoso
Onde o limite transcende o valado da morte.
Um coração foi o que ouvi cantar
Sonhava alto enquanto o piano tocava
Os anjos acordaram e vieram dançar em cercania
Oh que doçura teimosia!
E pairavam do céu asas fugazes
Percorrendo turbilhões em alvorada
Em que a recordação acena o adeus vitorioso.
Foi amor que me veio aconchegar o pranto
Expurgar o turvo da minha pele
Murmurar-me ao ouvido bravura…
A fé sedenta por entrar em mim
A tua alvura…
Sei que de ti tudo paira em mim.
Luz de vida em morte és lua
És alma pura
Em que todas as noites a minha
Humilde bebe da tua.
(to my mother)

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Num embalo da infância...


"A avó ficou pensativa a lavar a loiça, e a sensação de remorso que me restara do almoço estava a corroer-me por dentro. Fui, então, um pouco para o quintal apanhar ar e lembrar-me dos velhos tempos passados naquele jardim ao perfume das flores. As nuvens do céu tendiam a esconder os raios de sol e a brisa anunciava o Outono precocemente. Cortada pelos ramos das árvores, a paisagem do lago que se entrevê, sempre me transmitiu muita paz. Em pequena, costumava sentar-me calmamente no baloiço que a avó criou para mim numa alfarrobeira, através de umas cordas e de um pedaço de madeira. O baloiço continua no mesmo lugar, aqui. Ela poderia ter-me comprado um verdadeiro naquela altura, mas aconselhou-me a preferir o da árvore: «Mais tarde ao recordar vais perceber porquê.» E agora compreendo. Não há magia igual a um baloiço numa árvore. O vento baloiçando as folhas juntamente com os meus cabelos, o corpo inclinado para trás observando a mais bela imagem de céu em que os raios de sol se infiltram por entre as frestas dos ramos e ao som do cantar dos pássaros e da frescura do vento beijando a face: ah, a eterna sensação de liberdade." (excerto de "E fez-se silêncio" by me"