"Pediram-me"
Um dia pediram-me delicadamente
Pediram-me muito educadamente
Pediram-me para me calar.
Um dia pediram-me para ser flor dum mesmo jardim
Pediram-me afavelmente para sorrir quando o fogo se alastra
Pediram-me para ser brilhante como o sol de Verão.
Pediram-me com bons modos para perder a minha voz
Um dia quiseram-me ver rosada a bailar pelos campos coloridos,
Quiseram-me ver de saia rodada florescente a colher flores viçosas
Pediram-me para fazer uma grinalda e enfeitar os meus cabelos
E pediram-me docemente. Pediram-me para ser mais doce que o docemente.
Um dia disseram-me que era jovem e não acreditei.
Disseram-me que havia nascido para cantar aos quatro ventos
Pediram-me para soltar uma voz e cantar.
Pediram-me para cantar a música dos pássaros.
E um dia respondi que não sabia o canto da primavera
A minha voz nasceu do infinito eco de um grito desesperado
Os meus pés envoltos em ferida falam-me de eternas fugas pelo bosque
A minha face pálida desfeita das lágrimas murmura-me chuva de Inverno
A única música que conheço. A única que sei cantar. E não consigo bailar.
A minha veste é o manto da noite. As estrelas os adornos. A lua o meu santuário.
Um dia pediram-me para ser. E quem sou afinal?
Ninguém me pediu para me conhecer!
E evidenciei: eu sou tudo aquilo que não faz parte de mim.
E pediram-me para me calar
Disseram-me que a voz somos nós que a escolhemos.
Eu respondi: “sou a voz que me deram”.
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