quinta-feira, dezembro 15, 2005

Morrer, o que é morrer?


Morrer, o que é morrer? Terra, Céu, Mar e mais Terra, Céu e Mar e Sonho: tudo o que é tudo e não se tem numa mão. Dor vazia, respirar ar, absorver ar, viver de ar e não puder tocá-lo. Flor que se abre e não cheira. Folha seca nauseabunda, vagueando pelo vento, arrastada por todas as beiras mais imundas. Morrer, o que é morrer? Papel que não suporta a tinta da caneta, lápis de madeira podre, livro desfolhado, lido e relido, escondido no final da estante. Perfume amargo e repelente. Primavera, onde o céu brilha a ouro quente fervendo o sangue novo? Morrer não é primavera. Viver nem é primavera. É água podre. É o fim onde a veste não se renova. É o fim onde o começo não chega a ser começo. É o sonho da eternidade. O beijo que recebeste e não devolveste. O cheiro que ficou em mim e não sai. Morrer, o que é morrer? É antes dor, vazio, lágrimas. Onde estão os anjos que nos vêm buscar pela mão ao morrer? Onde está o pó mágico que faz voar os corajosos. Morrer é dor a cada instante. A dor de existir e não existir para ninguém. Onde está a magia? Viver, não é magia. Viver não faz voar, senão para quem tem perfume doce, flor que abre e cheira a primavera, livro que se renova a cada instante, água límpida. Viver não é para um mundo, é para uma terra, distante, bem distante. Morrer, o que é morrer? É paz que não se alcança. É o instante que se afunda no mar, quando o silêncio já não o acode, é a maré que não socorre, é o vento, é a sombra da noite, o arrepio, o medo. São as notas de piano que estalam os vidros a cada lágrima de abismo, a cada corte, a cada grito. E tudo dança, tudo veste, tudo canta, porque tudo morreu, tudo morre sempre e a cada instante. É morrer onde os demais não choram a nossa morte e as flores roubadas colorem as campas vizinhas. É o eco das palavras distantes que não puderam ser pronunciadas porque o vento as mandou de volta, no silêncio, no vazio. Viver, o que é viver? É querer ser Terra, Céu, Mar e Sonho: querer ser tudo e tudo querer. É querer morrer quando a vida não trás mais viver. É ser borboleta, é ser borboleta. E morrer, o que é morrer? Morrer é viver, quando se morre não da vida, mas na vida. Viver não é o contrário de morrer. Morrer é viver. É viver onde a morte é a Terra, o Céu e o Mar. E o Sonho: a Vida… desfalece a cada passo.