Raiva
“Olhando os meus escritos na parede, apercebi-me de que é raro escrever sobre a raiva. Apenas se lia a seguinte, datada do ano passado: “ Tenho raiva de muitas coisas, mas a coisa que me dá mais raiva é somente a de ter raiva.” E pensei no porquê de não ter escrito mais. E logo me assombrou uma certeza. A de que vivo a raiva de diferente maneira da dos outros sentimentos. Esperneio deitada na cama, mordo os lençóis, grito até torcer a alma, bato nas paredes até esfolar a pele, corro até não puder mais, e só depois choro. Choro quando o meu corpo sente o cansaço e pára anestesiado. A dor física desiste de deter a dor espiritual e as lágrimas surgem para aparar o furacão do peito. E é somente quando sinto as lágrimas descer pela face que se activa o pensamento. É só, então, que toda a dor à minha volta se me aparece como possibilidade de poesia e o desabafo renasce para o conjunto de opções medicinais.” (excerto, "E fez-se silêncio")
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